O seguinte
artigo foi publicado em fevereiro de 2012 na página editorial da revista
uruguaia “Sinfônica”, celebrando seu 17° aniversário. Com autorização do seu
autor, Diego Barreiro Carabetta, reproduzimos aqui a versão íntegra do original
em espanhol traduzido para português. É um chamado à atenção sobre o estado
atual da música clássica no Uruguai e no mundo. Um artigo para refletir muito.
OS 17 ANOS DA REVISTA SINFÔNICA
A cada mês de fevereiro, celebrando-se um
novo aniversário da revista, fazemos nossa habitual pausa para reflexão. Com
esta edição, SINFÔNICA está cumprindo seus 17 anos de vida.
Sem dúvida, muitos conceitos se reiteram ano
a ano, a modo de comum denominador, os que nossos já acostumados e fieis
leitores conhecem através desta página editorial. Enorme sacrifício, falta de
apoios econômicos necessários para levar adiante a revista com a devida
comodidade, e um permanente “tirar força da fraqueza”. Apesar de tudo, hoje
esta publicação nacional está celebrando este aniversário, refletido através da
edição ininterrupta desde o começo, e durante os 12 meses do ano.
Sem dúvida, a realidade da chamada “música
clássica” em nosso país não aporta muito à difusão do gênero, o que,
conseqüentemente, também se reflete em nosso caso no referente à constante
falta de apoios tão necessários. Sabemos que esta situação não é exclusiva do
Uruguai, e marca realidades e tendências de outros países, o que evidentemente
não se justifica como uma desculpa.
Referente à difusão cultural, devemos
esclarecer primeiro que nada, respeitamos todos os gêneros e cada um merece ser
difundido, logicamente sempre que seja mediante propostas não discordantes com
os necessários valores culturais. Porém, resulta injusto corroborar como
permanentemente outros gêneros vão ganhando espaços em detrimento da música
clássica.
Fala-se em “modernizar” a música clássica,
em que se precisa mudar e atualizar seu enfoque pensando, especialmente, nos
jovens, nas novas gerações. Mas a pergunta é: A música clássica tem que se
adaptar aos jovens?, ou se deve formar como corresponde aos jovens para que possam
desfrutá-la?
Nesta edição, na entrevista ao novo Diretor
Principal da OSSODRE (*), Maestro Stefan Lano, observa acertadamente que no
mundo atual há tendência a incorporar constantemente o aspecto visual, e que
existe a tendência de acompanhar a música com projeções visuais de fundo, tema
que, segundo ele, coloca uma difícil situação pensando, por exemplo, em
concertos sinfônicos.
Então,
um concerto de Mozart ou uma sinfonia de Beethoven precisam ser acompanhados de
imagens para resultarem atrativos? , o gênio musical de ambos não é suficiente
para os novos públicos?, ambos foram grandes compositores só por mera
casualidade?
Será que hoje já não emociona mais ao
público escutar um belo Lied de Schumann ou de Schubert? E se a música
subentende algo tão importante para a vida de uma pessoa, como é a emoção, para
onde nos levará este caminho? Evidentemente, se deve reconsiderar uma quantidade de
coisas.
Uma pessoa que haja recebido certa formação
musical (e não estamos falando em “conhecedores”) não pode deixar de
sensibilizar-se diante de uma obra de Mozart, Beethoven, Schumann ou Schubert,
só para lembrar alguns dos grandes compositores, e muito menos exigirá
complementa-la com efeitos visuais para desfrutá-la.
Existe a sensação de que o mundo atual está
se acostumando cada vez mais a uma “cultura” chata e medíocre. Para este costume,
lamentavelmente, contribuem muitos “especialistas” de marketing, a mídia e os
“gestores culturais”, dentre tantos outros. Por isso é que atualmente a palavra
“cultura” se usa tantas vezes para conveniência de cada um.
E não por ser reiterativo – já que o tenho
citado mais de uma vez – o regente chileno Francisco Rettig, há anos, me disse:
“As pessoas amam o que conhecem”. Ou seja, as pessoas são simplesmente o
reflexo do que a mídia lhes diz. Por isso, é uma desculpa insustentável o
“justificativo” de muita gente perante propostas medíocres dizendo: “Deixa aí,
isso é o que todos consomem”.
Há anos que assistimos a “significados
diferentes” do que é Cultura. Hoje pareceria que a Cultura também inclui
propostas onde a mediocridade, a chatice, a má palavra e o grosseiro é moeda
comum. Então, eu gostaria que alguém me explicasse por que isso deve ser
considerado “Cultural”, ao lado de um Mozart ou Beethoven.
Falávamos da necessidade de “modernização” e “mudança” que
muita gente manifesta. Mas neste caso “modernizar” não significa “mudar”, e vamos
colocar um exemplo como pode ser Il
Trovatore de Verdi. Pode-se fazer uma representação “atualizada” da ópera,
incluindo elementos que possam atrair mais ao público atual, mas conservando
basicamente o espírito e a inspiração do compositor. Isso, consideramos que é
válido.
Porém, uma coisa
bem diferente seria se um “régisseur” pretende dar-lhe, além de um toque
pessoal, um enfoque totalmente diferente do Verdi, transformando-a numa obra
“nova”, acreditando que isso é “mudar” e “modernizar” em benefício de captar
novos púbicos. Isto é um erro porque o único que se consegue é mostrar às
pessoas algo que não é Il Trovatore,
mas sim, um espetáculo baseado na obra de Verdi.
Os grandes
compositores na história da música clássica atingiram esse setial pelo enorme
talento que os inspirou e refletiram nas maravilhosas partituras que, até hoje
em dia, seguem conservando todos os seus valores. Isso é algo que “não morre”,
que não pode ser submetido a “mudanças”, e além do mais, que podemos seguir
desfrutando em nossas vidas.
Dizia o Maestro
John Neschling numa entrevista que lhe realizamos (**): “A arte culta é o
melhor companheiro que uma pessoa pode ter na vida”.
Diego Barreiro Carabetta
Revista Sinfônica , Fevereiro de 2012
(*) OSSODRE: Orquestra Sinfônica do SODRE que é o organismo
oficial da radio e TV do Uruguai. A menção corresponde à pág. 4 da publicação do
número de fevereiro de 2012.
(**) Número de dezembro de 2011 da Sinfônica.
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