16 de abr. de 2012

A cenografia da ópera: Uma forma diferente de entender a música?

Vinte anos de história é tempo suficiente para medir os resultados de uma tendência cujo objetivo é captar novos públicos. Essa tendência busca uma atualização do gênero para que seja mais compreensível às novas gerações. Então, a questão é se agora, hoje, os jovens se sentem mais interessados do que no passado. A resposta, infelizmente, é não.

Pior ainda, o público tradicional rejeita essas inovações. Mas qual é exatamente o tema? O público habituado a presenciar espetáculos de ópera já sabe qual é o assunto. Porém, alguém que seja parte do “novo público”, talvez não saiba exatamente de que se trata.
Trata-se de um fato que vários já qualificam de “reinado” do diretor de cena (o “régisseur”) trabalhando em equipe com cenógrafos, figurinistas e técnicos em iluminação, etc., muitas vezes por cima do espírito intrínseco da obra musical. A proposta de “atualização” consiste em adicionar efeitos visuais bem chamativos, porque – segundo eles – a música por si só não seria suficiente para manter o interesse durante o longo tempo que dura toda a obra. Aliás, também seria preciso acrescentar o interesse adequando a indumentária das personagens às modas contemporâneas. Desta forma, por exemplo, numa recente representação de Fausto de Gounod, no Metropolitan de Nova York, o escritor e diretor teatral Des McAnuff atualizou a história de Fausto eliminando a visão tradicional, que era de um velho frustrado, submerso nos segredos da alquimia na tentativa inútil de recuperar as emoções da juventude perdida. Na visão de McAnuff, o Fausto é agora um cientista nuclear que aparece num laboratório de alta tecnologia tentando decifrar os segredos do universo. Porém, a música continua sendo a original de Gounod que foi inspirada naquele personagem e não neste último.

O problema destes enfoques poderia ter uma raiz muito mais profunda do que parece. Depois do minimalismo dos anos 60, onde podia ser suficiente um fundo preto, uma iluminação geral e os móveis mais imprescindíveis no palco, era lógico esperar uma reação. Mas ninguém tinha previsto uma coisa assim. Imaginemos por um momento um Rigoletto, onde em lugar de uma corte medieval onde mora um duque mulherengo que tenta namorar a filha do bufo da corte, tivéssemos, em troca, que a personagem de Rigoletto fosse um clown da TV e o Duque de Mantua fosse um play boy milionário que mora em Las Vegas.

Vamos deixar de lado o problema bem comentado da falta de “contemporaneidade” dessas originalidades. É obvio que se o argumento da obra se desenvolve na Idade Média, as personagens têm que se comportar – e também falar, pensar e até se vestir – como pessoas daquela época. Caso contrário há risco de não ser entendida a lógica própria do argumento. A discordância pode ser chocante e até tem-se dito  que essas atualizações poderiam ser um remédio que terminará matando a ópera para todos os públicos.

A raiz do problema talvez esteja cem anos atrás. Durante toda a primeira metade do século passado, houve uma tentativa muito insistente de parte dos músicos, para conseguir que o público abandonasse o hábito de escutar somente música tonal. A resistência do grande público continua sendo até hoje muito forte. Isto não se limita à ópera. Obras de Schöenberg, Berg e outros mais modernos, segundo a opinião da maioria dos regentes, devem ser colocados na metade da programação. O motivo? Segundo esses regentes, não se pode ignorar o risco de afugentar público já no começo de uma temporada, ou no início de um concerto sinfônico. Opiniões assim são dramáticas, porque refletem um fato que acontece por primeira vez em toda a história da música, ou seja, não podemos compreender nem sentir profundamente a música do nosso próprio tempo. Essa falta de compreensão já tem mais de um século de história. O público que diz que gosta dessa música sempre foi e ainda é minoritário. Aliás, dentre esse público também não falta quem um dia vê um quadro pintado de branco com um ponto vermelho no centro, e comenta que é uma obra de arte que expressa a solidão de uma alma isolada, mas ainda com sangue para viver. Os limites entre a arte e a brincadeira parecem ser cada vez mais imprecisos. Não é minha intenção fazer crítica musical neste momento, mas penso que não é de mais um chamado à atenção sobre um fato dificilmente discutível. A vanguarda musical envelheceu, tem mais de cem anos de idade, e parece que ainda não amadureceu o suficiente como para se integrar à vida moderna. Talvez seja por isso que o público continua sem entender nada, a exceção de uns poucos.

Não é surpreendente então o desespero dos organizadores de concertos e espetáculos líricos. Vendo morrer algo que apreciam, que é um patrimônio da humanidade, não sabem com certeza o que fazer. Observam que a atenção da maioria dos jovens não se fixa numa mesma coisa por muito tempo. Também observam que a visualização é um interesse predominante. Tudo bem, mas acontece que já Wagner sustentava o que ele chamava “arte integral”, ou seja, a união da poesia, as imagens (incluindo cenografia) e a música. No século XXI, parece que estamos dando passos sem rumo tentando ressuscitar uma tendência do século XIX.

E para terminar, não resisto à tentação de relatar o que me aconteceu uma vez dando aulas de composição. A turma me perguntou por que eu não incluía autores de vanguarda em meus recitais. Eu disse que era porque geralmente o público não gosta, mas que há vários que gosto de tocar em privado. Em seguida me pediram que tocasse para eles alguma obra dessas, se eu lembrava na hora. Pensei um momento e falei que tocaria uma obra de Heirich Lübenbach. Fui até o piano e durante dois ou três minutos estive movendo as mãos à toa percutindo teclas sem pensar em nada. Terminei finalmente e lhes perguntei se haviam gostado. A maioria disse que aquilo era um horror, mas... um dos estudantes falou que como o autor era alemão, com certeza havia querido expressar as vivências terríveis da guerra durante o nazismo. Alguns apoiaram essa suposição e aos poucos quase toda a turma estava discutindo sobre estética contemporânea, atonalismo e liberdade formal... até que alguém quis saber a data de nascimento de Lübenbach. Então revelei a verdade. Esse compositor nunca existiu e eu só tinha feito uns minutos de ruído casual.

Se isto dá para pensar, já é importante. Talvez os próprios compositores sejam os que cem anos atrás fizeram a maior força para afastar ao público de tudo o que seja esse gênero que chamamos “música clássica”.

GBZ

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