15 de mai. de 2012

A esmola para a cultura.

Certamente, aqueles dias em que as artes eram consideradas algo sagrado já ficaram bem longe: era na Antiguidade, nos dias dos deuses do Olimpo e outras mitologias. Logo, na Idade Média, a cultura européia herdou muito da civilização da Grécia, mas as artes focalizaram-se na inspiração cristã. Mais tarde, durante a Renascença, houve uma grande mudança. O artista tornou-se um súbdito da nobreza que lhe dava tudo – ou quase tudo – para viver: roupas, comida, moradia, espaços e tempo para uma dedicação total às artes... Mas, sempre e quando o artista concordasse com as crenças, preferências estéticas, inclinações políticas e até manias dos nobres que pagavam os serviços prestados pelos artistas. Podemos imaginar que não sempre eram glórias nem reconhecimentos ao talento ou a genialidade, e a história registra casos que foram célebres. Uma discrepância havida entre Mozart e o arcebispo de Salzburgo deu que falar até hoje. Havendo-se negado o compositor a continuar sendo tratado como um servente da corte, e até solicitado para compor música para dançar durante as reuniões sociais onde todos conversavam em voz alta, riam e faziam brincadeiras para se divertir, tudo terminou quando Mozart teve um altercado violento com o rígido arcebispo e foi expulso as pancadas do palácio. Daí em diante, apesar do seu grande prestígio como músico caiu na mais absoluta pobreza. Acabou-se o patrocínio. No entanto, outros não tiveram igual destino, mas foi porque se submeteram à vontade daqueles “sponsors” do século XVIII.

Temos assim uma herança de velhos tempos que perdura até hoje. Inúmeras vezes escutamos falar em dificuldades para obter patrocinadores que apóiem financeiramente a cultura. A arte só pode ser algo “sagrado” (entenda-se de graça pelo amor à arte) ou, caso contrário, há financiamento de parte dos “setores produtivos” que hoje são empresas comerciais. Às vezes o financiamento é do próprio governo que contribui com verbas destinadas à cultura, mas, como se sabe, essas verbas fazem parte do produto da arrecadação de impostos. Essas fontes de financiamento, privadas ou governamentais, sustentam inclusive entidades culturais importantes. Podemos mencionar, por exemplo, o Metropolitan Opera House em Nova Iorque que, após uma quebra financeira quase total, se transformou numa fundação onde vários “sponsors” evitaram a clausura definitiva desse tradicional centro de espetáculos. Qual é a causa de tantas dificuldades para uma gestão artística não ser deficitária? Aparentemente se trataria dos altos custos para produzir espetáculos de alta qualidade, incluindo os elevados cachês dos artistas. Então, mais uma vez, se fecha o círculo vicioso: o dinheiro deve ser providenciado pelas fontes produtivas, porque parece que a arte não pode ser produtiva por si só.

Sem dúvida é um assunto muito complexo e não dá para esgotar aqui um tema tão polêmico. Algumas perguntas freqüentes são: é justo que haja artistas com pretensão de serem milionários contribuindo a elevar os custos e, logicamente, o valor dos ingressos que paga o público?, por acaso a população de baixa renda não tem também direito a comprar arte?, o Estado não tem a obrigação de promover a cultura contribuindo com dinheiro para financiar uma parte dos custos? Sejamos sinceros; tudo isso já foi dito e repetido até o cansaço. Há outra questão igualmente importante.

Hoje, as maiores quantias em dinheiro movimentado em atividades artísticas são destinadas a manifestações de muito pouco conteúdo cultural. Porém, se diz que isso é muito lucrativo, veja-se bem, tanto para os sponsors como para os artistas. Aí já não se fala em financiamento senão em “investimento” – que é um conceito bem diferente. Esses investidores se parecem muito àqueles nobres do século XVIII, porque quem não concordar com o que eles julgam que vale a pena financiar, fica fora. Não interessa se o investimento será feito para promover uma pessoa que nunca estudou nem dedicou horas e anos para se aperfeiçoar. Não interessa se isso vai contribuir, ou não, a elevar a cultura da população de baixa renda. Também não interessa se esses “artistas” ficarão talvez milionários em pouco tempo e com grande sucesso de público. No entanto, as grandes manifestações artísticas devem continuar rogando favores às maiores empresas do mundo e aos governos. Eu perguntaria simplesmente uma coisa só, e deixaria o tema por aqui para pensar. Qual é a causa dessa situação?

GBZ



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