24 de jun. de 2012

Otimizando as horas de estudo.


Quantas horas por dia devem-se dedicar a estudar? Depende do repertório escolhido? Pode depender também das aptidões naturais de cada um? O tempo dedicado deve aumentar necessariamente, se houver apresentações em público? Qual é o papel da memória em tudo isso? Estas e outras perguntas são comuns, igualmente entre professores, estudantes e músicos profissionais.

A memória, em particular, é motivo de preocupação geral para os solistas e, também, ocasionalmente, para os regentes. Comumente se acredita em que a memória deve atuar recém nas etapas finais do estudo, para reter a música e assim poder prescindir da partitura ou, pelo menos, não ser demasiado dependente dela.

A memória é um processo mental complexo, que faz parte de todas as etapas do aprendizado e requer atenção prévia, observação e raciocínio. Com certeza, muitas vezes lembramos fatos que não entendemos bem. É interessante comprovar que este tipo de memória se caracteriza pela grande dificuldade em lembrar detalhes. Quanto maior o esforço em lembrar detalhes, maior será nossa confusão e aparecerão zonas escuras junto com uma necessidade cada vez mais intensa de fazer uma segunda observação.

Que relação existe entre tudo isto e estudar uma partitura? É muito simples; caso termos estudado sem observar nem entender todos os detalhes, a memória os registrará só em parte. A conseqüência pode ser que quando se aproximar o dia da apresentação em público nos ataque um nervosismo inexplicável, uma sensação súbita de insegurança que nos obrigue a repassar obsessivamente a partitura em forma mental, como se não a pudéssemos tirar da cabeça. Procuramos verificar se tudo está em ordem em nossa memória, e aí começam a aparecer trechos que lembramos com pouca clareza, vamos e consultamos uma e outra vez a partitura..., duvidamos se tal ou qual trecho difícil foi bem resolvido tal como pensávamos... Se esta atitude chega a nos dominar poucos  momentos antes de sair ao palco, sentiremos pânico.

Muitos estudantes – e ainda profissionais que se iniciam na carreira – acham que “estudar” é abrir a partitura, começar a ler e tocar e ensaiar com maior atenção os trechos de dificuldade técnica. Em base a repetições, conseguem um resultado final aceitável e então abordam a etapa de aperfeiçoamento. Esta forma de estudar não demora em apresentar um sintoma desconcertante, indicando-nos que algo está falhando. Trata-se da persistência de erros em lugares imprevisíveis quando a obra se está tocando inteira. O tempo passa e sempre erramos nalgum lugar diferente, e há ocasiões em que sentimos que nunca vamos conseguir tocar essa obra sem erros do início até o fim. O pior é que assim não podemos identificar causas precisas, pois não podemos dizer “onde” fica a insegurança, já que o erro se produz num lugar diferente a cada vez.

É claro que a obra ainda não está segura. Mas qual será o lugar melhor para começar a solucionar a insegurança geral? Qual será o ponto de partida para aperfeiçoar a execução? Em realidade, não está faltando “aperfeiçoamento”, mas sim melhorar o estudo. Tudo começou no dia em que abrimos a primeira página para estudar. O erro inicial foi não prestar atenção, desde o início, a certos detalhes. Os deixamos para depois entendê-los melhor e – muito perigoso – a prática diária foi nos dando confiança, pois a cada dia fomos conseguindo tocar melhor a obra.

Isto não acontece para todas as pessoas e, observando este fato, pesquisei sobre a forma em que a memória trabalha naqueles que não sofrem o problema. Será que possuem alguma aptidão especial? A conclusão mais importante foi que essas pessoas ativam, em forma natural, um dos mecanismos mais eficientes da memória, ou seja, a capacidade de seccionar em partes a totalidade da percepção. Mais simplesmente, isto significa que na medida em que o tamanho de um objeto, ou um texto, vai aumentando, maior será a dificuldade em lembrá-lo completo, a exceção de poder lembrá-lo como um conjunto de partes relacionadas entre si. Por isso é que lembramos mais facilmente a fotografia de um rosto só, mas é mais difícil tratando-se de uma fotografia onde aparecem dez pessoas diferentes. Porém, se conseguirmos fixar na memória cada um dos dez rostos separadamente, estaremos em realidade lembrando toda a fotografia. 

Esta característica tem muito a ver com o aprendizado. Vejamos agora outro exemplo, mais difícil.

O seguinte é um exemplo extraído de um artigo que publiquei em 2009 sobre a memória em http://eltamiz.com/elcedazo/2009/03/07/la-memoria-3-casos-especificos/  onde o desafio era tentar decorar este texto:

“Ontem eu fui para um passeio ao parque e encontrei ao meu antigo e querido professor, sentado em um banco debaixo de uma árvore enorme. Cumprimentou-me sorrindo e me convidou para sentar e conversar com ele. Vestia um traje de cor cinza muito sóbrio e seus óculos não escondiam o olhar sempre atento dos seus olhos azuis”.

Faça você a tentativa de decorar isto durante 5 minutos antes de continuar lendo.

Agora tente visualizar a cena passo a passo, cada imagem uma por uma sem perder detalhes, e poderá comprovar quão fácil é. Você está criando memória visual além de fazer participar a memória conceitual da linguagem. Mas você ainda pode fazer mais uma coisa; fragmente o texto em forma lógica e tente memorizar cada parte uma por uma; por exemplo: “Ontem eu fui para um passeio ao parque” /  “e encontrei ao meu antigo e querido professor” /. Quando você consiga lembrar a seqüência inteira “Ontem eu fui para um passeio ao parque... e encontrei ao meu antigo e querido professor”, adicione “sentado em um banco debaixo de uma árvore enorme”, e assim por diante até o final, e sempre visualizando a cena. Provavelmente você vai demorar mais de 5 minutos em decorar tudo desta forma, mas depois passarão muitos dias e você ainda poderá lembrar o texto. De outra forma, se esforçando, como talvez você tentou pela primeira vez, provavelmente daqui a três ou quatro dias ainda lhe custará muito trabalho dizer o texto sem erros. Agora, desta outra forma, você fez participar também o seu raciocínio para fracionar o texto evidenciando as partes lógicas da seqüência.

Tratando-se de música, não é difícil memorizar uma mini-música de dois ou três compassos. Também não seria difícil memorizar uma segunda partitura igualmente breve. E, como já você vai imaginando, poderá memorizar sem problema oito ou dez partituras de dois ou três compassos cada uma. Logo, não haverá impedimento para tocar todas essas músicas continuadamente sem parar. Porém, se alguém pedisse para você memorizar uma música de trinta compassos, já está sentido que é mais difícil?  Não deveria ser assim, pois esses trinta compassos se podem dividir em grupos lógicos de dois ou três compassos cada um.

Fracionar a partitura desta forma tem a vantagem de reduzir quase a zero a possibilidade de não atender devidamente qualquer detalhe, incluindo dificuldades técnicas que não se deve deixar para solucioná-las depois. Por isso, mesmo que memorizar a partitura não seja o objetivo, a memória é uma ferramenta muito eficaz para estudar.

Por exemplo:  

Quase intuitivamente podemos observar que a continuação da dominante-tônica inicial, há repetições que podemos isolar como partes independentes. Também podemos observar que essas repetições se desenvolvem sob a harmonia de tônica em dó sustenido menor. Mas, seguidamente, há um trecho na mão direita que, para alguns pianistas, representa uma dificuldade técnica pela ordenação irregular das notas.


Podemos dividir o trecho em seus elementos constitutivos:



Esta divisão – a partir do arpejo – representa um agrupamento lógico. Para começar a prática é conveniente fazer uma pequena pausa para separar cada parte. Na medida em que consigamos pensar em cada divisão tocando sem fazer as pausas, a dificuldade desaparecerá completamente em pouco tempo.

É claro que não é suficiente ter feitas as divisões, se depois não nos formarmos o hábito de pensar nelas. A forma mais eficiente de adquirir o hábito é fazer uma pequena pausa entre cada parte, sem tirar as mãos do instrumento. Essa pausa deverá durar o tempo suficiente para poder pensar em como é a parte seguinte: sua harmonia, a técnica utilizada, a dinâmica, e até que parte da frase representa se for o caso. Na medida em que o hábito se vai formando e podemos pensar mais rapidamente na parte seguinte, a duração da pausa irá diminuindo progressivamente com naturalidade até ser desnecessária.

Uma pergunta freqüente acerca desta forma de desmembrar a partitura é se poderá prejudicar a idéia de unidade na interpretação, incluindo o fraseado. A experiência me disse que não, pois a interpretação se compõe de detalhes, e estes, são difíceis de descuidar quando a partitura tem sido analisada parte por parte.

Nos inícios o progresso irá mais devagar – pois a atenção nos detalhes é mais profunda –, mas o resultado final será que atingiremos a sensação de segurança com uma quantidade menor de ensaios em comparação. Também acontecerá que num tempo muito menor as dificuldades técnicas serão vencidas e haverá uma sensação de confiança cada vez maior. O método também se pode aplicar para aquelas partituras que, apesar do tempo que lhes dedicamos, sentimos a persistência de nossa insegurança.

Este método é útil para qualquer instrumento, e também para a música vocal e ainda para regência – neste último caso ajudará na segurança dos gestos e a “escutar”, internamente, o som da partitura. 

GBZ   





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