8 de ago. de 2012

A que idade se formam nossas preferências musicais? A resposta está no cérebro.

Atualmente se fala muito sobre a necessidade de criar novos públicos para a música clássica. As iniciativas nesse sentido procuram, em maioria, atrair público jovem mediante uma combinação de música e espetáculo visual. Supõe-se que apresentando, por exemplo, um concerto sinfônico combinadamente com luzes e imagens espetaculares, o interesse pela música vai aumentar significativamente e a juventude, acostumada aos grandes shows de música pop, se sentirá assim atraída também pelos “shows” de música clássica. É um assunto muito discutido, naturalmente, porque dessa forma se põe em dúvida o poder emocional puro da música. Não vamos entrar nessa discussão, porque recentes pesquisas científicas sobre o cérebro são muito reveladoras.

Todos nós sabemos qual é o tipo de música que preferimos escutar. Mas raramente nos perguntamos por que é assim, nem lembramos quando foi que começamos a gostar dessa música. Em que idade foi? Por quê?

O que diz a ciência sobre o cérebro?
Pesquisadores determinaram a importância da memória numa atividade desenvolvida no tempo, como é a música. Tem-se observado que a música é muito resistente às transformações dos rasgos básicos, ou seja, podemos reconhecer uma música em particular, embora as versões sejam bem diferentes. Para fazer isso, nosso cérebro realiza cálculos enormemente complexos e seleciona os rasgos permanentes, os que nos permitem reconhecer a versão original. Os modelos da chamada “pegada múltipla” permitem entender desta forma como processamos e conservamos com exatidão a informação sobre a música que escutamos, por exemplo, os intervalos da melodia, os acordes que a acompanham, os sons dos instrumentos, mas, também, o cérebro é capaz de formular abstrações. Acredita-se em que cada experiência é guardada na memória junto à informação do seu contexto. Ou seja, mais simplesmente, quer dizer que nossas lembranças musicais se misturam com acontecimentos que fazem parte da vivência musical. Por isso é que a música tem tanto poder evocativo.

Existe um centro cerebral associado com a música?
Não. Certamente, há centros associados com habilidades, percepções e até comportamentos determinados, mas não se pode dizer que existe um centro único da música. Segundo o “princípio de neuroplasticidade” (qualidade adaptativa dos neurônios às funções exigidas) nosso cérebro pode modificar diferentes áreas adaptando-as a desempenhar novas funções, caso necessário. A música parece ser a atividade que envolve quase à totalidade das regiões cerebrais conhecidas e praticamente todo o subsistema de neurônios. Pesquisadores como Daniel J. Levitin, sustentam isto e até vão mais longe: atos tão simples como acompanhar um ritmo com o pé, ativam zonas do cérebro tais como o hipocampo para apelar à memória, ou a área de Wernicke para entender a letra da canção que escutamos. O cérebro – sempre segundo o mesmo autor – organiza a informação recolhida e faz um cálculo de probabilidades, processando em baixo nível a informação, mas esses dados são imediatamente transmitidos às regiões superiores do córtex, que os interpretam como uma informação com forma e conteúdo, num processamento de alto nível. Estes processos se atualizam constantemente e se informam reciprocamente, de forma em que as interpretações criadas durante os processos de alto nível também influenciam às de baixo nível, coisa que pode produzir recheios perceptuais, ou seja, diversas ilusões...

As pesquisas não terminam aqui.

Como é que a música nos interessa?
Isto tem relação com os prognósticos que nosso cérebro pode fazer e como se criam diferentes expectativas. Os compositores utilizam efeitos como cadências e giros melódicos diversos e inesperados, com claro propósito de desarmar as expectativas do ouvinte. Foi constatado experimentalmente que isto ativa nossos mecanismos cerebrais de prazer e recompensa, muito mais que a música onde tudo é previsível. Segundo Levitin, vamos assimilando desde crianças as pautas da cultura musical em que crescemos. Em base à freqüência com que se repetem os rasgos predominantes de um tipo de música, adquirimos certos esquemas de conhecimento que, para o caso da música, forjar-se-iam já no ventre materno. Esse conhecimento é representado no cerebelo mediante códigos que são milhões de etiquetas químicas, neurotransmissores e neurônios que se ativam a velocidades e intensidades diferentes. Assim, lembrar um ato concreto é apelar a um código existente. A capacidade cerebral de antecipar-se prevendo acontecimentos, é um recurso para reagir com rapidez. Mediante técnicas de imagem por ressonância magnética, é possível estudar com aproximação suficiente a velocidade de resposta e a localização dos cálculos realizados pelo cérebro. Desta forma, pôde ser observado que na resposta dos neurônios à música, há um compartilhamento com as zonas da fala. Isto vem contribuindo a alimentar a teoria de origem comum da música e a linguagem. Mas este detalhe questionou a teoria tradicional de funções separadas dos dois hemisférios cerebrais. A criação da linguagem se processa no hemisfério esquerdo, no entanto a música é processada no hemisfério direito. Se a música os faz interagir, eles não seriam tão independentes e a origem da música e a linguagem bem poderia ter sido em comum.

Evidentemente, o cérebro é um organismo tão complexo como admirável. A natureza é previdente e cria conexões em demasia entre os neurônios, até seja determinado quais serão úteis e quais não, no futuro desempenho cerebral. Quando será esse momento? Isto poderia afetar nossas preferências musicais? Segundo os cientistas, há um momento crítico para definir os gostos musicais e é em torno aos 10 anos de idade, porque essa idade coincide com a máxima criação de conexões entre neurônios e, além do mais, ainda não se iniciou a eliminação das conexões desnecessárias, ou seja, eliminar os circuitos menos utilizados. A “poda” se inicia aproximadamente aos 14 anos, época esta, aliás, emocionalmente muito forte. Na idade adulta, a criação de novos circuitos é possível, mas é muito mais lenta. Embora possamos aprender novas estruturas musicais, com a idade é cada vez mais difícil entender sistemas musicais novos. Experimentos de base neuronal realizados indicam que certas preferências das crianças e de alguns adultos podem ter origem fisiológica, ou seja, a predileção por um tipo ou outro de música, poderia ter relação com a evolução do ouvido em concordância com o entorno, por ser rasgos sonoros de significado ambiental. Nesse ponto, haveria uma questão de equilíbrio entre o que satisfaz, ou não satisfaz os nossos esquemas cognitivos até um ponto em que, simplesmente, entendemos ou não entendemos a música que escutamos. E se a música não se entende não gosta.

Fonte: Daniel J. Levitin: “Teu cérebro e a Música” (2008)

GBZ 


       

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