17 de jun. de 2014

A MÚSICA E O FIM DA INTERNET.

A Internet une e separa, e isto acontece talvez porque a rede e a tecnologia estão se tornando circulares, já que não são meios para um fim, senão que são um fim em si mesmas.

 


Hoje em dia, falar em modernidade equivale a falar da internet. Talvez quem está lendo agora este artigo o encontrou numa página da web, por não dizer que é muito improvável que o pudesse ler se não existisse a rede. A rede tem facilitado as coisas, permite algumas outras, mas nalgum sentido complicou tudo e a música e as artes não são a exceção.

Que quer dizer tudo isto? As novas tecnologias, além de soluções e vantagens, apresentam um problema em si mesmas, e não adianta muito negá-lo. Atualmente passamos a maior parte do dia escravos de uma tela de computador, e até se quisermos só trabalhar e deixar a um lado facebook e todas as redes sociais, continuamos sendo dependentes de um aparelho que esgota, enfraquece a vista e nos desconecta das outras pessoas.

A Internet une e separa, e isto acontece talvez porque a rede e a tecnologia estão se tornando circulares, já que não são meios para um fim, senão um fim em si mesmas.

No terreno das artes se escuta falar cada vez mais, ou se lê, acerca dos espetáculos multi-mídia, dos meios audiovisuais, dos sistemas de som, e distintos elementos. Estes, no caso da música, à diferença dos tempos passados,  já não são do tipo analógico senão digitais, o que significa que o som que se ouve não é real: é uma ilusão formada de pontos ou partículas sonoras, que juntas imitam a impressão de timbres, sons e ruídos. Não são como os antigos discos ou cassetes, que constituíam um som autêntico captado em forma direta, e tinham outra textura e características, conceitos estes que um músico entende bem, pois percebe auditivamente um fato físico muito complicado de detalhar aqui, mas faz que hoje muitos melômanos, até jovens, prestem atenção aos velhos discos de vinil achando que o som é mais natural.

Mas a tecnologia está se tornando autorreferente em forma irresistível, e por isso podemos falar aqui um pouco da música e sua situação atual. A música está deixando de ser direta. Se toca cada vez menos para um público presente, e se grava cada vez mais – se gravada, pois está se começando a usar diversos programas informáticos -  o que faz que falar de música “em direto”, ao vivo, soe antiquado e até retardatário.

Talvez seja essa uma das características mais desagradáveis da nova tecnologia: está adquirindo um caráter sagrado que não admite crítica, impermeável a qualquer outro enfoque ou ponto de vista. Tudo parece maravilhoso, fantástico, e tudo o que permite fazer é sintoma de “modernidade”. Também é provável que a tecnologia atual não se pareça à dos tempos passados, como acontecia com o rádio, ou os primeiros computadores.  Muitas vezes cita-se o ditado “todo tempo passado foi melhor”, aludindo que a nostalgia é coisa própria de todas as gerações. Porém, os avanços modernos são diferentes dos antigos, porque são muito mais poderosos e disjuntivos, e ainda não nos acostumamos às suas consequências. Tudo isto faz pensar em que a música em direto e os  concertos ao vivo são coisas que soam antiquadas, ou de gente negada aos avanços. Algo parecido aconteceu com a radiofonia: foi dito que a era da música ao vivo havia chegado ao final da sua existência, e quem pensasse o contrário era ficava no passado. Também o cinema terminaria com o teatro, e a televisão terminaria com o cinema... Mas nada disso aconteceu.

Então, a pergunta poderia ser: como se faz para tocar uma sinfonia com sopros, bronzes, timbais e cordas? Será que existe alguma outra forma que não seja, simplesmente, tocando-a?

Evidentemente há um problema com a percepção da música, e o problema passa por um tema de relacionamento. As pessoas necessitam se juntar, cumprimentar-se, se olhar no rosto, e juntas escutar um concerto. A vida real é assim! Isto não significa que todos  tenham que se dar bem ou serem amigos, senão que a vida sempre tem sido sem um computador por meio. Portanto é preciso colocar a tecnologia no lugar que lhe corresponde.

Da outra parte, os instrumentos musicais também são tecnologia, os timbais, as trompas ou os violoncelos são fruto de avanços técnicos. Não têm uma carga de ingenuidades românticas, e mesmo havendo muito sentimento em torno deles, não são artefatos atrasados e óbvios, senão que têm inovação e inteligência acrescentadas.

Após toda esta longa introdução, poderíamos nos perguntar: O que podemos fazer os músicos atuais pela humanidade? A resposta, quiçá, é que a música ao vivo pode tirar um pouco às pessoas do computador, e levá-las a fazer contato com experiências reais. Em lugar de ser a internet o “reprodutor” da música, é melhor que a internet seja, simplesmente, una via através da qual músicos e público se ponham em contato para organizar concertos presenciais, reais.

A internet teria assim até uma utilidade maior, porque seria um meio e não um fim. Poderia servir para organizar concertos ao vivo, em lugar de, como acontece atualmente, fazer soar a música através de uma tela.

Daí, o que aparecia como uma desvantagem e um motivo de vergonha, seria em realidade uma vantagem e uma possibilidade futurista de usar a música como arte cênica que utiliza um espaço físico para criar uma experiência sonora e espacial. Os músicos clássicos estamos bem mais treinados nisto que os modernos, porque a nossa técnica se desenvolveu durante séculos quando não havia eletricidade nem aparelhos de áudio: existia só a realidade, e havia que dar-lhe uma forma, para bem ou para mal, com seus problemas e virtudes. Os músicos clássicos, compositores ou intérpretes igualmente, também temos uma vantagem econômica porque podemos fazer música sem pagar a conta da luz. Nenhum instrumento do repertório clássico necessita da eletricidade. Eis então que os nossos “custos”, na era da modernidade em que só importa a economia, podem ser até mais baixos que para o resto.

Estas vantagens e potencialidades merecem ser exploradas como oportunidades e riquezas, não como defeitos a serem evitados. Evidentemente pode haver instrumentos que requiram algum tipo de programa ou conexão elétrica, mas, em geral, quase todos são  “umplugged”. Não necessitamos de uma “atualizaçao”, estamos atualizados. O problema é que necessitamos renovar a nossa linguagem e o nosso relacionamento com o público.

E podemos pesquisar, é claro, novos timbres e instrumentos. Mas, fora isso, estamos  totalmente vigentes e nossa forma de fazer música tem muitas vantagens, inclusive sobre o resto.

Desta forma, os intérpretes e os compositores constituem um enorme potencial, uma máquina preparada para fazer música que não se pode desaproveitar. Ativá-la faria não somente mais fácil a criação e a interpretação, senão que seria um motor econômico para os músicos, e um estímulo para a atividade cultural em geral. 



Paolo Tabilo Sagua

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