17 de jun. de 2014

Clássico e popular


Ao decorrer das décadas existiram muitas denominações alternativas para a música clássica, por entender que o termo “clássico” é confuso e abrange muito mais do que o período histórico ao que faz alusão. O conceito de “clássico”, aliás, pode ser referido a algo excepcionalmente bom, que dá nome a uma época, a um templo grego ou romano, ou também a algo tradicional e conservador.  Quando usado para peças ou composições populares acrescentando-se que determinada canção “é um clássico", o termo sofre ainda mais variações, e em consequência, foram propostas algumas expressões tais como “música erudita”, “séria” ou “acadêmica” em substituição do termo “música clássica”.

É difícil dar uma denominação adequada por causa de muitos fatores. Aliás, também pode resultar um nome que favorece equívocos, pois dá a entender que o clássico não é popular e que, bem pelo contrário, é seleto, e isto significa que que fica longe do massivo e, consequentemente, não tem muito público.

Buscando uma forma de juntar tais conceitos poder-se-ia pensar numa forma de qualificar os tipos de música sem basear a definição no período histórico, senão em algo mais substancial. O popular e o clássico, atualmente, diferenciam-se em algo e valeria a pena estabelecer em quê.  Isto tem a ver com estilos, porém, mais concretamente, com tradições e técnicas. 

A técnica é aquilo que separa o modo de fazer música. Olhando mais de perto podemos ver que a música clássica acontece essencialmente ao vivo, no entanto a popular tem uma importante relação com a gravação e uma aparelhagem para recursos audiovisuais.

Porém, aprofundando mais um pouco, vemos que ambas compartilham alguns aspectos e por isso é comum que a música clássica seja gravada e transmitida, e que a música popular seja tocada ao vivo. Sendo assim, esta não pode ser uma diferença fundamental e devemos analisar outras.

Devemos ver como é que se compõe a música: a música clássica se escreve em partituras e a popular raras vezes. Mesmo havendo muitos músicos populares que leem e escrevem partituras, e têm uma formação e trajetória acadêmicas, a diferença resulta determinante porque uma boa parte do processo criativo da música popular é transmitido fundamentalmente através da memorização, a gravação e os registros de áudio, no entanto a música clássica é transmitida só através da leitura como condição para executá-la e também para gravá-la.

Estas diferenças têm a ver com a forma como a música se compõe. O compositor de música popular  pode escrever seu tema em partituras, mas o ensaiará e tocará fundamentalmente de ouvido, ou às vezes também, em colaboração coletiva onde cada integrante vai aportando um pouco à criação original. Ao contrário, o compositor clássico escreve praticamente tudo sem omitir detalhes e estes fazem  parte de toda a obra. E se bem se pode dizer que a partitura não é tudo, e que o trabalho do intérprete é ré-criar a obra, entendê-la em forma nova e diferenciada, o mais determinante é que tanto o compositor como os intérpretes trabalham com papel, no entanto na tradição popular se faz através da memorização. Ambas as formas têm suas vantagens e desvantagens; o que está escrito é limitado quanto ao que se pode fixar num papel, e o popular é complexo em relação ao que se pode criar. Mas o escrito, sendo por sua vez simples, é possível de transmitir e eternizar com maior fidelidade, porque a escrita leva cada detalhe até um tempo posterior e assim é que, ainda hoje, podemos interpretar as obras de Mozart,  Vivaldi ou Bruckner.  Em troca, a chamada música popular, historicamente transmitida de ouvido pelas gerações, só começou a ser bem registrada graças à aparição dos discos e outras formas de gravação; mas esse registro é distinto de uma partitura.


Podemos dizer que ambos os métodos são diferentes, com suas virtudes e seus defeitos, com características próprias cada um. Se analisarmos, ambos os estilos e estratégias de composição e de trabalho, ambas têm vantagens e desvantagens. A música popular pode tentar certos trechos e frases que não se podem escrever, e são muito difíceis e complexos tanto rítmica como harmônica ou melodicamente. Não se podem transmitir com muita fidelidade, porque, embora seja através de uma gravação, não sempre se pode saber o que soa e como. Inclusive para um grupo ou banda é bem difícil saber eles mesmos o que foi que tocaram em certas gravações. A música clássica, em troca, é baseada em notações, quase como se se tratasse de um plano arquitetônico, e se pode reproduzir todas as vezes que quiser; mas, nesse caso, o "reprodutor" da música não é um botão nem um aparelho de áudio, senão as próprias pessoas. Uma sinfonia clássica se pode reproduzir infinitamente, em forma variável e dependente do estado de ânimo e várias outras condições; no entanto, uma peça popular se pode reproduzir infinitamente também, mas todas as vezes sempre igual, porque o faz uma máquina. Em certa forma, e em certas áreas, escrever a música em partituras completas é mais eficiente e fiável do que gravá-la, pois a gravação não garante capturar totalmente a música tal qual é, porque caso querer tocá-la novamente, é bem provável não poder acertar com todas as notas que a fizeram realidade. A única forma em que uma gravação pode reproduzir essa música é soando, mas excluindo novas versões e interpretações de músicos: exclui outros músicos.

Entendemos, assim, que sendo que a música clássica é escrita, talvez possamos chamá-la assim: música escrita. Funciona com papel. Em troca, a música popular é não-escrita. As duas têm suas vantagens e desvantagens, mas para o que significa uma apresentação ao vivo é mais eficiente a música escrita.

Por isso a música clássica é fundamentalmente feita num palco, ao vivo: é presencial e espacial. Porém, para a mídia funciona melhor a música popular, e daí suas distintas evoluções.



Já analisado este problema podemos saber qual é a nossa área de trabalho e por que é tão importante o concerto ao vivo, mais do que nada relativamente à música original, que é o que agora mais nos interessa. Fazendo uma analogia com o teatro vemos que é a disciplina que mais se parece à música, pela sua função cênica; tanto um como a outra têm representações, interpretações feitas por pessoas chamadas atores num caso, e no outro, músicos, e em ambos os casos tudo é baseado num texto ou numa partitura, ou seja, escrito num papel.

Porém, a situação atual da música clássica é semelhante à de um teatro onde se representassem só obras clássicas. Seguindo com a analogia, seria como se um teatro apresentasse só obras de Shakespeare, Calderón de la Barca o Luigi Pirandello, quando o que interessa é que o teatro também apresente obras novas.  


Paolo Tabilo Sagua

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