Existem
diversos métodos geralmente aceitáveis para aprender a ler, mas
todos eles buscam mais do que nada superar o problema quase insolúvel
da complexidade que representa a leitura da música. Ler cada nota
requer considerar entre 4 a 7 elementos distintos, e isto se repete
para os centos ou milhares de notas que uma partitura pode ter. E
isso deve ser previsto o antes possível.
As
soluções usuais consideram um aprendizado progressivo aprendendo
primeiro as notas dentro do pentagrama, e sem acidentes, depois
alguns poucos acidentes são introduzidos, mais tarde algumas linhas
complementares (poucas, uma ou duas no máximo), etc. Pois isto é o
que caracteriza a todas as músicas compostas para iniciantes além
das lições de solfejo.
Uma
forma assim como esta de introduzir aos alunos na leitura musical
repercute na técnica, e não somente para tocar piano. Efetivamente,
o iniciante em qualquer instrumento utiliza dessa forma somente o
registro central, e por essa causa os movimentos resultam bastante
restringidos. Também devemos considerar que a leitura dever-se ia
associar à memória auditiva, e então as restrições de leitura
representam também uma limitação para educar o ouvido.
O
método que proponho a continuação como o mais eficaz é baseado na
memória visual e as suas próprias características, ou seja:
A retenção de uma imagem é diretamente proporcional à percepção de alguma ordenação peculiar naquilo que se enxerga.
A retenção de uma imagem é diretamente proporcional à percepção de alguma ordenação peculiar naquilo que se enxerga.
Os
exemplos seguintes são para piano, porque permitem mostrar a
metodologia a seguir para instrumentos que utilizam mais de uma
clave, mas isto se pode reduzir para o aprendizado da leitura em
qualquer instrumento que utilize uma clave só.
A
metodologia em geral consiste em memorizar determinados grupos de
notas organizadas em forma tal que constituam uma imagem fácil de
lembrar.
Primeiramente
ensinamos ao aluno a identificar com facilidade os espaços de oitava
que, entre todos, totalizam a extensão do instrumento. No caso do
piano sempre se observa a perplexidade do aluno quando enxerga o
conjunto enorme de 88 teclas entre brancas e pretas. O melhor é
começar observando que o teclado se divide em grupos de 2 e 3 teclas
pretas, e que esse agrupamento se repete. A continuação o aluno
aprenderá os nomes das notas no teclado, antes de proceder pela
leitura, começando pelo Dó (não é imprescindível que seja o Dó
central) observando que é a tecla branca à esquerda do grupo de
duas teclas pretas:
Ou
seja, se pode apreciar que é uma imagem fácil de lembrar. A
continuação o aluno identificará, por si mesmo e sem mais
indicação, todos os DO que possa encontrar no teclado.
Para
as notas seguintes se procederá visualizando ordenadamente assim:
MI
– à direita do grupo de 2 teclas pretas.
RÉ
– no meio do grupo de 2 teclas pretas.
FÁ
– à esquerda do grupo de 3 teclas pretas.
SI
– à direita do grupo de 3 teclas pretas.
SOL
e LÁ – associam-se no meio do grupo de 3 teclas pretas: o SOL é a
tecla seguinte à primeira das 3 pretas, e o LÁ é a seguinte à
tecla central das 3 pretas.
Procederemos
a identificar uma por uma cada nota, e em cada caso pediremos que o
aluno identifique todas as que possa encontrar no teclado com
igual nome, semelhantemente a como já fez com o DÓ.
O
passo seguinte será que o aluno reconheça as notas em qualquer
ordem e lugar, como por exemplo, um RÉ... um FÁ... um SI... um
MI... etc., sempre em lugares diferentes do teclado.
Quando
se perceba que o aluno já tem suficiente segurança para reconhecer
as notas (usualmente todo o processo completo leva aproximadamente 15
minutos) lhe mostraremos a ordenação seqüencial “dó, ré, mi,
fá, sol, lá, si” no teclado, coisa que reforçará
definitivamente a visual da topografia periódica do teclado em
grupos de duas e três teclas pretas com o Dó no início. Podemos
ainda pedir que o aluno diga quantas notas pode contar entre um Dó
de um grupo e o Dó do grupo seguinte, e assim, ele verá que são
oito notas e explicaremos que essa distância, ou “intervalo”, se
chama “oitava” porque, precisamente, se contam oito notas e isso
se pode observar (literalmente: “enxergar”) para qualquer outra
nota que seja. Pedimos então que identifique as oitavas de ré,
mi, fá, sol, lá e si.
Neste
momento o aluno estará em condições de associar o teclado com a
escrita. Segundo iremos observando, não se dá vantagem ao
aprendizado de uma clave aprendendo-a primeiro que a outra, senão
que as duas se aprendem ao mesmo tempo. O procedimento começa pela
identificação de todas as oitavas de Dó na escrita partindo da
imagem mais facilmente reconhecível, a do Dó central:
Estas
oitavas distribuídas em duas para cada mão são suficientes, pois
por cima da mais aguda da mão direita, e por baixo da mais grave da
mão esquerda, a identificação no teclado é obvia sem maior
observação. E agora se pode passar a ensinar a identificação do
resto das notas na escrita e também no teclado, sempre acudindo a
imagens fáceis de lembrar e começando pelo grupo mais simples:
1°
grupo:
Esta
imagem corresponde à nota escrita na linha central do
pentagrama e isso é o que se tem que observar e memorizar com o
respectivo nome segundo seja a clave. É necessário que o aluno
veja, também, onde é que essas notas se tocam no instrumento, e por
isso foi que teve uma preparação prévia para reconhecer todos os
DÓ, coisa que agora lhe permitirá saber em quais oitavas
corresponderá tocar.
Quando
este grupo estiver bem memorizado, com a respectiva identificação
no teclado (isto leva normalmente poucos minutos) passaremos para o
segundo grupo:
2°
grupo:
Neste
caso a imagem é de notas escritas nos espaços centrais.
Também se deverá mostrar onde é que essas notas se tocam no
instrumento e pedir que o aluno as toque. A disposição em forma de
acorde tem só uma finalidade visual e não supõe necessariamente
serem tocadas como acorde.
Quando
este grupo estiver bem memorizado, será momento de fazer o seguinte
exercício de prática (ou qualquer outro semelhante) lendo e
tocando:
O
passo seguinte será praticar os dois grupos juntos, ou seja:
Isto
é, se fará uma prática com ambos os grupos mediante exercícios,
como por exemplo, o seguinte (ou qualquer outro semelhante) sempre
dizendo os nomes das notas e tocando-as no instrumento:
Depois
adicionamos mais um grupo, que mostrará as notas escritas nas linhas
segunda e quarta, ou seja, a linha central fica entre as duas
notas:
3°
grupo:
Depois
de serem memorizados os três grupos, ou seja:
se
faz a prova de tocar, sempre dizendo os nomes das notas:
Resumindo
tudo até aqui, se trata de ir adicionando novos grupos, um por um,
além dos anteriormente memorizados, fazendo também uma prática de
leitura que combine as notas de todos os grupos aprendidos e tocando
tudo o que se lê. Tem-se observado que há alunos que não
necessitam dizer em voz alta os nomes das notas, mas as tocam
corretamente demonstrando assim que as reconhece bem. Nesses casos
não precisa exigir que cada nota seja dita.
Desta
forma continuamos adicionando grupos e o seguinte será:
4°
grupo:
Agora
as notas ficam escritas nos dois espaços extremos do pentagrama. Com
isto já teremos somado:
Desta
forma progressiva o aluno memorizará, caso por caso, um conjunto de
12 grupos desde o primeiro até o último:
Atingido
este nível de identificação das notas será possível fazer
práticas mediante exercícios como o seguinte, ou qualquer outro
semelhante:
(As
divisões se indicam somente para facilitar a execução técnica,
mas se podem omitir. Os acordes, neste caso, se devem tocar).
Por
causa da carência que comentávamos acerca da falta de partituras
para iniciantes, que ofereçam maiores possibilidades de leitura, e
enquanto a única opção seja utilizar as partituras existentes,
será suficiente chegar até o grupo N° 9 do quadro geral acima,
pois os três últimos grupos muito dificilmente terão aplicação
salvo alguma rara exceção.
Até
aqui temos visto a leitura direta, nota por nota. Porém, na prática
musical será muito útil que o aluno saiba que nem sempre se lêem
as notas uma por uma. É possível ler a relação que há entre
as mesmas. Ou seja, por exemplo, as notas sol, lá, si, dó, ré,
mi, fá... formam uma sequência de notas consecutivas escritas em
linhas e espaços, também consecutivos, e é suficiente identificar
somente a primeira nota (ponto de partida):
Observe-se
que a escrita excede em muito o âmbito abrangido pelos 12 grupos
precedentes. Isto amplifica ainda mais o campo da leitura e o aluno
conhece assim a utilidade de ler as notas em forma relativa, o qual
facilita muito a leitura. Observando bem cada caso do exemplo acima,
vemos que:
- Os casos a e b são exemplos de leitura de notas ordenadas de maneira continuada, ascendendo ou descendendo, e será suficiente ler a nota inicial em cada caso e deduzir todas as seguintes durante a execução. A nota de chegada – a última da sequência – é de leitura obvia e pode ser desnecessário identificá-la pelo seu nome no momento de tocá-la, mas – e isto importa muito e é bom de ver já mesmo – se fosse o caso de querer memorizar um trecho semelhante, então sim será necessário identificar o nome da última nota (ou seja, para o caso da clave de Sol, no exemplo, a memorização nos dirá que a escala se inicia no Sol em 2ª linha e vai até um Si três oitavas acima).
- O caso c apresenta notas ordenadas alternadamente e todas estão escritas nas linhas. Salvo isto, as observações são as mesmas que para os casos a e b.
- O caso d é uma combinação, mas – observe-se – chegando ao fá na quinta linha poderia ser necessário ler independentemente o Si.
A
maioria dos músicos lê desta forma. Não lêem todas as notas uma
por uma pelos seus respectivos nomes, nem as lembram assim quando
estão tocando sem partitura. Identificam somente as notas que são
referências importantes, qual é a nota para começar ou terminar
uma escala, ou um harpejo, e assim em qualquer trecho onde as notas
estiverem escritas de forma continuada ou descontinuada incluindo
eventualmente acordes.
Acidentes.
Durante o desenvolvimento de toda a etapa de aprender as notas,
se pôde demonstrar experimentalmente que é possível ensinar também
o significado dos acidentes. Realmente não há motivo nenhum que
seja de origem psicológica para proceder de outra forma, adiando seu
conhecimento e suas aplicações, pois fazem parte da identificação
exata dos sons e não são coisas separadas – inclusive
auditivamente.
A
forma mais efetiva de incorporar os acidentes durante o aprendizado
da leitura é introduzir seu uso em seguida que o professor veja uma
facilidade suficiente para identificar as notas a partir dos dois ou
três primeiros grupos e não mais do que isso. Ou seja, num
exercício como este:
se
o aluno for capaz de ler isto com facilidade, não terá dificuldade
para ler e tocar isso mesmo, mas escrito desta outra forma:
O
resultado geralmente é que a partir do terceiro ou quarto grupo do
total de 12, os alunos já não precisam mais praticar primeiramente
a leitura de notas naturais, e depois as notas alteradas, senão que
eles podem praticar sem problemas a leitura direta das notas seja
como for que elas se apresentarem escritas (alteradas ou não) na
medida em que continuam aprendendo a identificar os nomes das notas
em diferentes lugares do pentagrama e o instrumento. Ou seja, quando
for memorizado qualquer grupo de notas (sem acidentes) o aluno poderá
passar para exercícios de prática de leitura diretamente com notas
alteradas, porque adquire muito rapidamente a capacidade para
identificar, por exemplo, qualquer Ré sabendo se é sustenido ou
bemol e pode tocá-lo sem falhar.
Ainda
é possível dar mais um passo adiante e ensinar que os acidentes se
podem escrever ao lado da clave no início do pentagrama. Mas aí, em
geral, é bom parar. O tema dos acidentes que definem as tonalidades,
evidentemente não é para as primeiras aulas. Será suficiente
explicar que o conjunto de acidentes colocados junto à clave tem a
função de evitar que as notas sejam alteradas uma por uma cada vez
que aparecem escritas na partitura. É raro que neste momento algum
aluno pergunte mais alguma coisa acerca dos acidentes.
Façamos
agora uma avaliação de resultados confrontando-os com perspectivas
que foram comprovadas em casos reais:
a)
Exemplos práticos para leitura, como os que exemplificamos, muito
bem poderiam ser inventados pelo aluno e não pelo professor. Ou
seja, se pode praticar a escrita e a leitura desenvolvendo ao mesmo
tempo a criatividade.
b)
É possível utilizar desde o início uma extensão considerável do
registro do instrumento (no piano seria praticamente todo o teclado).
Isto contribui a acelerar o desenvolvimento da técnica sem depender
da leitura. Mais uma vez cabe insistir numa carência de partituras
ao respeito.
c) O
ouvido resulta bem mais ativo do que passivo, inclusive por causa de
ter a chance de diferenciar as notas alteradas.
d)
Sendo que cada exemplo poderia ser inventado pelo próprio aluno,
isto lhe levará com naturalidade a inventar também o ritmo,
tocando. Normalmente o aluno quer escrever o que inventa, e eis aqui
que o professor terá oportunidade de ensinar como se escreve uma
partitura, embora seja elementaríssima. Não é raro que essas
músicas tenham notas alteradas, talvez também ritmos incomuns, e
isto significará uma valiosíssima oportunidade que o professor terá
para conseguir que o aluno – evidentemente muito motivado –
avance com passos rápidos na compreensão da teoria musical.
Faz
falta dizer, contudo, que em relação à técnica, as vantagens que
terminamos de sugerir não equivalem a forçar ao aluno exigindo-lhe
habilidades prematuras que poderiam forçar os músculos e as
articulações que estão recém começando um treinamento. Trata-se
unicamente de salientar o que foi dito: a leitura não tem por que
limitar o desenvolvimento da técnica.
Ocasionalmente
tem-se objetado que esta forma de ensinar a ler as notas pode
produzir uma confusão mental pela falta de evidência inicial da
seqüência ordenada “dó ré mi fá sol lá si” para aprender os
nomes das notas. Isto é discutível por várias razões que se podem
ver estudando com atenção o que foi exposto em capítulos
anteriores, mas há uma comprovação prática que muitos professores
têm comprovado ao logo da sua carreira, e se trata do seguinte. São
demasiados os casos de alunos iniciantes que para salvar a
dificuldade de ler as notas lêem uma delas, e depois, para passar à
seguinte, vão contando por ordem as que ficariam entre as duas –
por exemplo, se as notas são Fá e Ré mais alto do que o Fá, o
aluno lê o Fá e depois – às vezes colocando um dedo sobre o
pentagrama – conta: sol, lá, si, dó... RE. Como isto nem sempre é
visível (nem todos contam usando o dedo) a dificuldade se percebe
somente pela grande demora entre nota e nota, e a origem se pode
descobrir só perguntando para o aluno como é que ele faz para ler.
Isto se pode dar em alunos de qualquer instrumento, mas no piano o
problema pode ainda piorar se o aluno necessita contar também as
teclas. Em conclusão, saber dizer a seqüência dó ré mi
fá...(etc.), e saber identificar essa mesma ordenação, é tão só
uma das muitas combinações de leitura, mas não lhe aporta nada à
memória visual, e esse é o problema.
GBZ
Este artigo é cópia textual de um fragmento do capítulo 13 do livro MÉTODO CIENTÍFICO PARA O ENSINO DA MÚSICA.
GBZ
Este artigo é cópia textual de um fragmento do capítulo 13 do livro MÉTODO CIENTÍFICO PARA O ENSINO DA MÚSICA.
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