17 de jun. de 2014

Pode a orquestra ser uma empresa?

Sim, mas não uma empresa convencional.

 

 

A crise econômica que hoje sofre o mundo afeta gravemente o âmbito da cultura, um fato que ninguém põe em discussão. No caso da música, esta realidade obriga a repensar vários aspectos da indústria dos espetáculos de música clássica.


Mas a crise econômica afeta somente a cultura e a arte? Evidentemente não, e então devemos assumir que aquele preconceito que quer nos "chamar à realidade" porque "a arte não dá pra viver", ironicamente pode ser válido hoje para milhares de profissões de toda índole, no mundo inteiro. Esta é a realidade. Y ela é a que obriga a revisar objetivamente muitas estruturas, incluindo as que até hoje sustentam as profissões artísticas. Há tradições insustentáveis e preconceitos que será preciso atacar. E é aí, justamente aí, onde aparecem algumas interrogantes que inquietam a muitos músicos profissionais e, com maior razão, aos jovens que têm a ilusão de seguir una carreira profissional.


Na série de três artigos aqui publicados por Paolo Tabilo Sagua estas inquietudes eram analisadas em profundidade, deixando algumas interrogantes dignas de atenção: Até onde é verdade que a música clássica não pode dar para viver?  Qual é a diferença real entre a música clássica e a música popular?  Que papel desempenha internet na difusão da música clássica?

O caso particular da internet se pode resumir num ponto decisivo: a rede contribui muito a difundir a música clássica, mas é grátis e lhe resta público aos concertos ao vivo, e isto pode terminar sendo contraproducente para que os músicos, incluindo os compositores, possam viver da sua profissão. Em consequência, seria necessário revisar o conceito empresarial que sustenta hoje às orquestras e os concertos ao vivo. Uma orquestra pode ser una empresa, mas una empresa de características adequadas à época presente, para que seja rentável.

¿Por que revitalizar o concerto ao vivo?

Digamos sem demora que a possibilidade de fazer gravações é, para a música, o que a invenção de Gutemberg significou para a literatura: não é só uni meio massivo de difusão, também é de perdurabilidade. Porém, o espetáculo musical em si é insubstituível. É o contato direto com o público,  há uma fusão emocional que jamais se produz de outra forma. Esta emoção é até contagiosa entre as mesmas pessoas que integram o público presente num concerto. E é mais: há una enorme diferença entre o som diretamente produzido pelos instrumentos em comparação com o som gravado, embora seja reproduzido pelos melhores aparelhos eletrônicos atuais e as melhores técnicas de gravação.



E aqui precisamos fazer uma distinção sumamente importante entre a música popular atual e a música clássica: num concerto de música clássica os instrumentos são capazes de fazer se escutar por si sós, pois são instrumentos acústicos; no entanto, na música popular sem exceção, um concerto necessita diversos meios eletrônicos que incluem amplificadores de som de alta potência e fidelidade. Ou seja, a intervenção de tais equipamentos faz que para a música popular não haja diferença auditiva alguma entre um concerto ao vivo ou a reprodução de una boa toma de som num estúdio de gravação. Esta diferença é muito importante para o público da música clássica, que sempre dirá que nada se compara com estar presente num concerto e poder escutar una orquestra diretamente.

Sem dúvida isto vai más longe do que colocar em conflito dois gêneros musicais. Tampouco se trata da conveniência maior ou menor em utilizar a tecnologia, como se o só fato de nãonecessitá-la como algo imprescindível para fazer música marcasse una distinção entre o antigo e o moderno, com conotações saudosas. Se trata, nada menos, que de restrições econômicas para manter vivo um gênero musical que é patrimônio da humanidade. Não manter vivo esse patrimônio seria una redução progressiva de una experiência emocional y auditiva particular, sem motivo nenhum para se perder, exceto por motivos econômicos.

Por isso é necessário valorizar o concerto ao vivo, e que não seja gratuito, como algo vital, de vida ou morte para a música clássica.

¿Qual seria a solução?

Quiçá fizesse falta, em primer término, uma mudança de mentalidade dos próprios músicos. Na hora de distribuir as recompensas, qual deles será o mais importante de todos? O compositor? O regente? O primeiro violinista? O solista? O modesto percusionista que possivelmente esteja presente todo o tempo, esperando para participar com uns poucos toques de triângulo, ou algum redobre de tambor que durará uns poucos segundos? Quem mais? Um momento, pense-se bem: Sem o compositor a música não existe, mas sem os intérpretes é impossível que soe... Devem estar presentes todos os intérpretes que o compositor pede na partitura. Todos: desde o regente até aquele modesto percusionista.

Si nos situarmos nesse plano de igualdade, vamos direito a una ideia quiçá revolucionária: a orquestra pode ser una empresa onde deve haver equiparidade no reparto de cargas e recompensas.  Numa palavra só: todos seriam igualmente importantes num enfoque empresarial, de modo tal que o reparto das despesas e o lucro seja dividido em partes iguais incluindo,  naturalmente, ao compositor.

Isto significa enfatizar a cooperação e não a concorrência. Por exemplo, caso ter um solista, este deve entender o papel que todos desempenham num concerto, prescindindo de considerar quem toca muito ou pouco durante o concerto. Claro, um pianista, por exemplo, diria que não tem por que se conformar cobrando igual que o timbaleiro, mas... que faça a prova de começar a tocar o Concerto para piano e orquestra de Grieg, sem a intervenção inicial do timbal!

Vejamos isto mais de perto.

Talvez a princípio pareça que o enfoque de dividir o lucro em forma igualitária não é novidade, pois têm existido e existem conjuntos instrumentais que praticaram esta política. Não obstante, não se trata do mesmo. Tais conjuntos têm por norma estabelecer um cachê e os gastos correm por conta dos organizadores. Isto pode elevar consideravelmente o preço dos concertos fazendo que sejam muito mais caros do que poderiam ser.

E este é um problema maior quando se trata de orquestras sinfônicas, ou grandes espetáculos como uma ópera o um ballet. Em troca, se as fontes de financiamento do espetáculo vão diretas a os compositores e intérpretes, sem intermediários, o custo se reduz, aumenta a margem de lucro, e o valor dos ingressos para assistir aos concertos se pode ajustar melhor às possibilidades dos diferentes públicos aos que o espetáculo quiser se apresentar.

¿Como se viabiliza una ideia como esta?

É preciso não cair numa disjuntiva entre o gratuito y o pago. Seria melhor uma complementaridade, pois pode haver concertos livres ao lado de concertos pagos. Muitas personas acham nisto uma dicotomia, una oposição. Porém, um concerto gratuito pode sê-lo para o público, mas não necessariamente para os compositores e intérpretes, pois não se deve seguir incentivando o preconceito de que "a música clássica não dá para viver". Do ponto de vista empresarial, um concerto gratuito se pode considerar como una promoção, ou seja, um investimento com lucro futuro calculado. Em outras palavras, seria atrair novo público para a música clássica, um público que quiçá não se arriscaria a pagar ingressos sem ter a segurança de que vai gostar do espetáculo.. Mas, é claro, não é viável uma quantidade exorbitante de concertos grátis sob pretexto de "promoção cultural", pois isso é  suicida.

Evidentemente aqui não se pode, por razões de espaço, descrever as estratégias de marketing para este tipo de empreendimentos em curto e longo prazo. Com certteza, internet pode desempenhar um papel muito importante em termos publicitários, por causa da enorme projeção que tem para qualquer anunciante de um evento. Assim, a rede passaria a ter outros fins para atrair mais público. Não se  pode esquecer que é um meio poderoso de difusão, mas até agora vem sendo usado  - digamos isto cruamente - para que o grande público tenha acesso à música em forma gratuita. A diminuição pronunciada na venda de CDs y DVDs musicais é um fato aplastante que invalida qualquer argumento a favor de "mais música para todos", porque se o músico tem contas a pagar (igual que todo o mundo, ¿não é asssim?), terminará abandonando a profissão e haverá menos música para todos.

Também não podemos esquecer que existem diferenças importantes entre os países do chamado Primeiro Mundo e o resto de países em termos econômicos, mas também culturais. Este é um fator a ter muito em consideração. Nos países latino-americanos, por exemplo, é frequente que associar a palavra "lucro" com a cultura artística seja quase um insulto.

Outro fator, igualmente importante, é que quando se aposta diretamente ao público como fonte de rentabilidade para una empresa, é preciso decidir entre dois critérios (aplicáveis em qualquer tipo de empresa): produção massiva de baixo preço e qualidade medíocre, ou, ao invés, produção especializada a maiores preços e melhor qualidade. Transladando esta oposição à música clássica, o problema aparece na escolha do repertório e não tanto na qualidade dos intérpretes. Tem-se criticado muito que o repertório para as massas de melômanos seja de autores do século XIX e, quando muito, até a primeira metade do século XX com nomes muito específicos dentro do neoclassicismo, neorromantismo e impressionismo. Esta visão estreita exclui bastante a música barroca, e ainda mais, a  medieval e renascentista... sem falar da "contemporânea". Se prejulga assim a "qualidade" do compositor respeito a como a apreciará o público. ¿Por quê? A resposta nos levaria longe do tema, mas a verdade é que muitos compositores atuais ficam assim fora, e se tivessem talento (ou ¿por que não? genialidade), irão direto para o anonimato eterno por falta de oportunidade.

Então, se quisermos que o empreendimento aponte para objetivos de qualidade cultural, deverá ter pluralidade de pontos de vista y opções estéticas, ser aberto a todo estilo, incluindo o atonalismo, minimalismo, neotonalismo, e qualquer "ismo" por vir. É muito importante para que seja neutro desde um ponto de vista musical e estético. Finalmente o público, que é o juiz supremo - embora haja quem não concordar - será o que decidirá o futuro.


Los músicos têm agora a palavra. Como dizíamos no início, há tradições insustentáveis e preconceitos que será preciso atacar.


Gustavo Britos Zunín

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